Transtorno
do Espectro Autista – T.E.A
Filme:
“ O cérebro de Hugo”
(Le Cerveau d'Hugo- 2012- França)
Resenha Crítica, por: Ketzia Merrari; Simone Prado Ribeiro e Suellen Vargas
RESUMO
O filme “O cérebro de Hugo”, aborda
a história de um personagem fictício chamado Hugo. Baseado em fatos reais, o longa, em forma de documentário, conta
histórias de autistas e intervenções utilizadas por Psicólogos que trabalham nessa
área. Hugo era um menino autista, exclusivamente possuía a Síndrome de Asperger
que também é conhecido como autismo de nível mais brando do transtorno. É
caracterizado por dificuldades de interação social e comunicação não-verbal,
além de apresentar padrões de condutas repetitivas e de interesses restritos,
ao qual, no filme, acredita-se que essas
causas estão presentes na génetica, ou seja, a origem do transtorno seria
biológica: a criança já nasce autista, não se torna ao longo da vida.
Logo ao nascer Hugo já apresentava
características diferentes das demais crianças. Era uma criança que não
interagia com seus pais, chorava sem parar, agia de forma distante em relação
aos cuidados da mãe e quando mais velho arremessava os livros das prateleiras
no chão da sala e corria o tempo todo pela casa. Ao longo dos anos, Hugo foi
apresentando dificuldades na escola, não manifestando interação com os colegas
da classe, andava e falava de forma diferente das outras crianças. Seu
aprendizado era diferenciado, porém era um gênio em matemática e tocava piano
como ninguém. O que fazia seus professores não entenderem sua forma
diferenciada de aprendizagem. Aos 6 anos de idade Hugo não pronunciava uma
palavra, aos 12 anos se tornou um dos melhores pianistas.
Hugo era uma criança que tinha
muitas dificuldades para criar vínculos com outras crianças e ter
relacionamentos. Tinha dificuldades de viver como uma criança normal perante a
sociedade. No decorrer do Filme foram aparecendo depoimentos de outras pessoas
que tinha a síndrome de Asperger e de seus familiares, trazendo a tona as
dificuldades das pessoas com esse transtorno para arrumar um trabalho, viver em
sociedade, construir relacionamentos e. além da rejeição expressas pelos outros
eram tidos como retardados, quando na verdade eles eram grandes gênios com uma
forma diferenciada de aprendizagem. O assunto é um alerta para analisarmos como
psicólogos o quanto precisamos saber lidar com as diferenças sem que venhamos
rejeitar o que não pode ser compreendido. O filme ainda explica que existem
várias formas de autismo. Cerca de um terço dos autistas sofrem de um retardo
mental e alguns nunca falaram.
SINTOMAS
DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA APRESENTADOS EM “O CÉREBRO DE HUGO”
.
“...eu tinha um filho
com olhos de
vidros,
Hugo é um personagem fictício, porém, os
sintomas relatados pelos entrevistados com autismo e vividos por eles são
verídicos e perpassam as diferentes idades, representado a vida de Hugo, que
aparecem em vários momentos do filme, falando sobre seus sintomas e como se
sentem em relação a eles, bem como as dificuldades enfrentadas no dia a dia.
Foi feita uma reconstrução do percurso de um autista desde o nascimento até a
idade adulta. Mesmo quando Hugo ainda era bebê sua mãe Elisa já percebia algo
estranho, ela o sentia distante, parecia não ver os pais e era capaz de chorar
por horas, nada o consolava. Aos três anos ele não olhava nos olhos e não
falava, sua mãe procurou uma pediatra que a informou que isso era normal e a
chamou de “estressada”, dizendo que estaria exigindo demais do filho. Mas aos
seis anos Hugo ainda não dizia uma palavra, expressando alguns sons, e começou
a ter excessivos ataques de fúria, de angústias.
A infância de Hugo representa a infância de
muitas outras pessoas, que pareciam não brincar, falar ou se comunicar com
alguém. A estereotipia estava presente na repetição de gestos, palavras ou
comportamentos ou em alinhar objetos incansavelmente. Algumas vezes a expressão
era feita por gestos. Há rejeição ao contato físico, uma mãe conta que quando
tentava pegar sua bebe autista, a criança esticava os braços para frente
estabelecendo um limite de espaço, rejeitando seu colo. A voz humana também
incomoda, pois tais pessoas possuem muita sensibilidade e quando ansiosos ou
angustiados costumam machucar a si mesmos. Sentem angustia extrema. Devido ao
seu comportamento imaturo, muitas pessoas acreditavam que ele sofria de retardo
mental devido ao comportamento imaturo.
Descobriu-se que Hugo tinha o chamado ouvido
absoluto, o que lhe proporcionava um grande dom para a música, sua paixão se
tornou o piano. Sua professora se surpreendeu quando tocou uma melodia para
Hugo por uma única vez e ele a reproduziu sem errar uma nota e sem partitura;
aos 12 anos era um pianista excepcional.
O contato social é difícil, pois Hugo tem
dificuldades em ler expressões faciais, ter empatia ou reconhecer emoções.
Estar em lugares muito movimentados é quase impossível, devido a sua grande
sensibilidade auditiva, Hugo não possui filtros sensoriais o que o faz receber
muitos estímulos ao mesmo tempo, isso se dá devido a hiperconectividade
sensorial de seu cérebro. Isso o deixava estressado e esgotado.
Ele apresenta comportamentos excêntricos, leva
uma vida cheia de regras, tem medo de errar ou fracassar, incapacidade de
controlar esse medo e não consegue mentir. É capaz de contar algo em seus
mínimos detalhes e ver todos os detalhes de um aposento por exemplo. Não
consegue ver as coisas como um todo, a visão de mundo e de si é fragmentada. Ao
se olhar no espelho vê seu corpo todo separado, como em um “quebra-cabeça”.
A
personagem Luna também sofria desse mesmo mal, ela não tinha uma definição em sua mente quanto a totalidade das coisas.
Em seu apartamento na qual vivia, para organizá-lo, ela precisava tirar fotos
dos ambientes para então tentar organizar cada cômodo como um todo. Não muito
diferente é o que acontece com Temple Grandim (2009). Para poder explicar como
sua mente funcionava, ela recorria a metáfora do vídeotape: “To
pull information out of my memory, I have to replay the video. Pulling facts up
quickly is sometimes difficult , because I have to play bits of differents
videos until I find the right tape.” (Para tirar
informações da minha memória, eu tenho que reproduzir o vídeo. Puxar os fatos
rapidamente é às vezes difícil, porque eu tenho que verificar diferentes vídeos
até encontrar a fita certa.) Para ela pensar as experiências passadas e
comentá-las ela criou um mecanismo: o “ controle remoto imaginário”, para
ajudá-la nesse tarefa. A cada parte extraída de sua memória pelo “controle
remoto” nesse grande sistema de vídeo tape, esta parte extraída era composta de
uma totalidade precisa de suas experiências. (PIRES, 2007)
Pessoas com autismo vivem em extrema solidão e
isolamento, sentem-se estranhos no mundo dos humanos “normais” como se houvesse
um “muro de vidro” os separando do resto do mundo. No início da
narração do filme sobre a vida de Hugo, continha a seguinte frase sobre o que
ele acreditava ser a vida para ele: “... um muro de vidro o separa da
comunidade dos homens...”. Essa frase muito faz lembrar as dificuldades e a
reflexão de Temple Grandim em seu mundo autista. Ela percebeu e refletiu sua condição
quando se viu presa entre duas grandes janelas de vidro do refeitório
estudantil. Percebeu o quão era difícil se comunicar com as pessoas para tentar
ajuda-la a sair daquela situação. Ela refletiu aquele momento e percebeu que
ser autista é estar preso daquele mesmo jeito, com toda a sua dificuldade e
esforço em se comunicar. Esforço esse que ela se propôs, mas que não percebera
em nenhuma outra pessoa com autismo. (GRANDIM, 2007)
Estudos apontam, no filme, que o cérebro de um
autista produz pouca ocitocina, o chamado hormônio do afeto, e a administração
desse hormônio pode melhorar o comportamento social dos autistas.
HIPÓTESE DIAGNÓSTICA
Diante
de alguns sintomas clínicos que venham a corresponder com os já elencados pelos
psiquiatras em seus manuais e que tais sintomas venham a apontar para o
Transtorno do Espectro Autista (T.E.A) , ainda assim, o profissional da área da
saúde dizer que o paciente tem a referida patologia – sem uma ampla
investigação envolvendo um histórico anterior de outras doenças ao qual o
paciente talvez fora acometido e sem o parecer das contribuições multidisciplinares de
profissionais de diversas áreas e que, melhor seria, já tenham uma experiência com transtorno do
espectro autista ( neurologista,
fonoaudiólogos, psicólogos , psiquiatra) para que, diante dessa soma de
conhecimentos envolvidos possa chegar com uma dose de certeza ao diagnóstico do
T.E.A – é arriscado, penso que é até mesmo uma ação um tanto negligente por
parte da pessoa que faz o atendimento que “ de cara” emite o diagnóstico de
autismo. Entendemos que o levantamento da hipótese e a preocupação para com a
certificação do transtorno demandará investigação; esta, por sua vez, deverá
envolver não só uma preocupação na emissão de um parecer, mas na formulação da
hipótese também deverá coexistir a noção da responsabilidade daquilo que será
emitido: o diagnóstico e suas consequências na vida dos familiares desse
paciente ao que implicam no impacto emocional desses familiares, nas mudanças e
reaprendizagem da nova realidade, os novos planejamentos nos seus orçamentos
para melhor cuidar dessa criança ou adolescente com tal transtorno. Ás vezes
mudanças bruscas na configuração familiar frente a não aceitação ou abandono
posterior de algum responsável da família dessa criança por não saber lidar com
esse momento.
Outro
fator importante é que o profissional da área de saúde mental, e também devido
ao crescente número de diagnóstico de autismo no mundo, deve se instrumentalizar
por meio da leitura de pesquisas recentes, congressos, livros e periódicos
sobre o autismo para a identificação dos sinais de risco o quanto antes no
intuito de trabalhar a promoção de intervenção precoce nesses pacientes, e
também visando à minimização de diagnósticos inadequados. Porém, segundo o
psiquiatra Allan Frances, temos que ter um olhar um pouco mais crítico quanto a
esse aumento epidêmico do autismo uma vez que se deve a alguns fatores esse
crescimento tais como a nova reclassificação segundo os termos do DSM-V. Essa
explosão no aumento de diagnóstico de T.E.A também se deve ao “ diagnóstico
frouxo”, de classificação improvável, imprecisa. Além disso, ao apresentarem os
pacientes os riscos de autismos, em casos duvidosos, limítrofes, alguns médicos
se sentem sob pressão em diagnosticar como T.E.A para logo dar início ao
tratamento e, com isso, consiga uma “reversão” do quadro. Contudo, há de se ter
em mente que, diante de uma má classificação, o paciente pode se sentir
estigmatizado no futuro. (FRANCES, 2015)
No
filme, “O cérebro de Hugo”, observamos a constante designação de determinadas
pessoas do convívio social e familiar das crianças com a síndrome de Asperger[2],
e até mesmo de alguns profissionais que diagnosticaram essas crianças,
considerando-as como retardadas mentais, que não iriam falar nunca, que era
para os pais se resignarem, pois raríssimos seriam os avanços motores, na
linguagem verbal e a grande dificuldade de adaptação escolar que elas teriam.
Mas fica aqui uma observação quanto à confusão dos personagens na designação de
uma patologia por outra: Síndrome de Asperger é uma coisa e retardo mental é
outra. O retardo mental[3]
caracteriza-se por uma deficiência na capacidade intelectual que varia do nível
leve a profunda, cujo coeficiente intelectual pode ser medida por meio de
testes de QI. Segundo o DSM-V, pessoas com Transtorno do Espectro Autista
também podem apresentar deficiência Intelectual. A designação de retardo mental
para essas crianças do filme foram imitidos erroneamente, pois muito deles
tinham habilidades cognitivas normais e, alguns, acima da média como a
personagem Hugo que aos seis anos de idade tocava de forma brilhante Chopin em seu piano. Joseph Chavanet foi
considerado uma criança retardada, pois até seis anos de idade não pronunciava
uma palavra; quinze anos depois se formou em Ciência Políticas, mais tarde,
doutor em Filosofia e, atualmente, fala sete idiomas, declarando em entrevista
que “... você pode ter um prêmio Nobel, e não saber dizer bom dia”.
Outro aspecto que verificamos no
filme foi a dificuldade da emissão de diagnóstico precoce de autismo dessas
crianças por diversos fatores que aqui elencaremos. Uma delas era a não
aceitação de um dos pais dessas crianças em enxergar que seus filhos tinham um
problema no seu desenvolvimento infantil mesmo quando comparada com outras
crianças tidas como normais: A mãe da Anne, de oito anos, se apegava na
fantasia de que a filha não se comunicava com ela, não a beijava e não a
obedecia por que ela havia mimado demais e que isso era a causa do comportamento,
mas que ela iria mudar. Não mudou. A mãe se culpou ao reconhecer esse grande
erro cometido. Já a mãe de Hugo e a de Valentin acreditavam que os seus filhos
não melhorariam o quadro patológico, pois a culpa deles se comportarem do modo
tão estranho assim era delas, elas eram consideradas por muitos psiquiatras da
época como mães indignas que fez qualquer coisa e que, por isso, acabaram por desviar o percurso do
desenvolvimento sadio de seus filhos devido a não imposição de limites, e
falharam no amor maternal. Isso tudo gerou nelas fortes sentimentos de culpa e
constrangimento perante a sociedade, foi difícil a recuperação para elas. Suas
crianças, diante disso, e por considerarem os especialista que essas mães eram
as “causadoras” de todo o mal, seus filhos eram internados nos hospitais-dia
por anos na crença de que, longe delas, as crianças seriam curadas. Não curou. Alguns
professores equivocados quanto aos sintomas da síndrome de Asperger, ao
perceberem que o aluno era excelente em matemática, terminava rápido as lições
e era bom em tudo, porém, possuindo um comportamento um tanto desadaptativo
em comparação a outras crianças, tais
professores acreditavam se tratar de o aluno ser superdotado. Não era. Alguns
pais declararam extremamentes chateados por não saberem do diagnóstico mais
cedo, pois isso contribuiria para a ampliação de muitas possibilidades de
intervenções e não perderiam, os seus filhos, as oportunidades na vida,
principalmente, a escolar para galgarem no futuro um emprego, serem autônomos.
Parece
que essas muitas realidades aqui elencadas se distanciou de nós, que ficou lá
para trás, datada em 2012. Mas o que percebemos é que, hoje em dia, as coisas
não são tão diferentes assim. E muito desses equívocos citados a cima,
infelizmente, ocorrem nos dias de hoje.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DSM-V. Manual de
Estatística e Diagnóstico de Transtornos Mentais: Transtorno de Espectro Autista- Ed. Artmed, São Paulo.
_______.
Deficiências Intelectuais: Critério de
Diagnóstico- Ed. Artmed, São Paulo-2014. pág 77
FRANCES, Allen. Fundamentos do diagnóstico psiquiátricos:
respondendo a mudanças do DSM-V. Ed.
Artmed. São Paulo, 2015. Pág 26,27
GRANDIM, Temple. Thinking in Pictures and Other Reports from
my Life with Autism. Londom, Boomsbury Publiching. 2009
______. Mistérios de uma mente
autista. Ed. Clube de Autores. 2007. pág. 30
O Cérebro de
Hugo- Le Cerveau d'Hugo- Acesso em 20 de novembro de 2016.
Link: https://www.youtube.com/watch?v=PKhS4WlG234
PIRES, Luciana. Do silêncio ao Eco: Autismo e Clínica
Psicanalítica. Ed. Edusp, São Paulo.2007. pág. 92.
[1] Recorte do relato da mãe em “ O
cérebro de Hugo”, sobre o seu filho, Hugo.
[2] Consideramos nesse texto ainda
citar o nome Síndrome de Asperger por fazer referência aos diálogos do filme,
cuja produção é datada de 2012, seguindo, portanto, o DSM IV-TR. Hoje em dia,
com a elaboração do DSM-V, a categoria Transtorno do Espectro Autista englobará
a síndrome de Asperger, o transtorno autístico e o transtorno global do
desenvolvimento.
[3] Consideramos também citar o
termo retardo mental, já em desuso, por
fazer referência ao que fora dito no
filme pelos personagens, porém, segundo o DSM-V, o termo retardo mental foi substituído
por deficiência mental e, alguns periódicos de pesquisas, atualmente, já
utilizam o termo deficiência intelectual.